A CRIAÇÃO DA PERSONAGEM CAPITU NA OBRA DOM CASMURRO
Maria Railma*
RESUMO: O presente trabalho trás uma pequena dissertação de como se dá a construção da personagem Capitu na obra Dom Casmurro. A princípio tem-se uma jovem determinada que sabe tomar decisões adultas, mas que, a partir da segunda parte da obra, passa a ser controlada e presa pelos ciúmes doentios de Bento Santiago, que a apresenta como uma mulher adúltera, que, segundo ele, o traiu com seu melhor amigo, Escobar.
PALAVRAS-CHAVE: Bentinho, Capitu, Escobar, Narrador.
Algumas considerações sobre a obra
Dom Casmurro foi publicado em 1899, quando começou a circular em sua forma completa e não mais em periódicos, como as outras obras de Machado de Assis. É uma obra que tem levantado várias críticas e hipóteses. Elas vão desde a “dissimulação” de Capitu, a não aceitação da traição da mesma.
A narrativa acontece dos fatos ocorridos no passado para o que está acontecendo com o narrador no presente, em que Bento Santiago conta sua infância e velhice. Todo o enredo gira, aparentemente, em torno de um triângulo amoroso – Bento – Capitu – Escobar. Pela fala do narrador-personagem é que conhecemos todos os outros personagens, inclusive Capitu, da qual falaremos mais à frente.
Na primeira parte da obra ele narra como surgiu a idéia de dar o nome de Dom Casmurro à sua narrativa. No primeiro capítulo já deixa uma pista do narrador que irá contar a história: alguém fechado, “chato”, e que gosta de dar ordens: “Não consultes dicionário”. Ou seja, para que soubéssemos apenas por sua ótica o que era o significado da palavra.
Esta também é a parte em que ele descreve sua família, o desejo de sua mãe de enviá-lo a um Seminário, pois esta era uma promessa de quando ele nasceu. Fala de D. Glória, sua alma caridosa: “Minha mãe era boa criatura” (MACHADO, 1998, p.21). Descreve o criado José Dias, que serviu de elo entre ele e Capitu em suas peripécias românticas.
Narra desde o início do namoro, sua ida ao seminário, o encontro com seu amigo Escobar, seu casamento, o nascimento do tão sonhado filho, até a possível traição e sua reclusão em uma casa com apenas um criado. São capítulos recheados de mistérios, dúvidas, pistas falsas, possíveis mentiras, enfim, uma obra perfeita construída por um dos maiores escritores que o país já teve.
Uma viagem por Capitu
O capítulo treze é primeira parte em que o leitor tem contato mais direto com a personagem, tanto que ele é intitulado “Capitu”. Aqui, a figura feminina dela começa a ser construída – ou melhor dizendo, “destruída”. A princípio, tem-se um rapazote – Bentinho – que treme ao ouvir a voz de sua amada.
A primeira impressão que o narrador nos dá é de uma menina desobediente, pois não atende ao chamado de sua mãe. É neste capítulo que o narrador deixa transparecer, propositalmente, o primeiro ato de “dissimulação” de Capitu, pois ela consegue disfarçar, correr e apagar o nome deles dois que ela havia riscado na parede.
Quando ele diz: “Todo eu era olhos e coração” (MACHADO, 1998, p. 29), mas em seguida dá ênfase ao “tudo eram olhos”, já que em seguida faz a descrição física de Capitu, confirmando que ele a discava como um objeto sexual, e não como uma pessoa que pudesse completá-lo.
No capítulo quatorze, ele a descreve como uma “analfabeta”, boba, que era inferior a ele. Esta afirmação pode parecer absurda, mas ele confirma isto quando diz:
Devia tê-la marcado; sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e a adolescente conhecia as regras de escrever, sem suspeitar as do amar, tinha orgias de Latim e era virgem de mulher. (MACHADO, 1998, p. 31).
No trecho a cima ele refere-se ao escrito que Capitu fez com o no me dos dois e aproveita para alfinetar e destacar a posição social da menina, que era inferior a dele. O que acontece também na descrição do vestido que ela usava, feito de chita, tecido usado por pessoas de poder aquisitivo inferior. Esses são detalhes que poderiam ser omitidos, mas ele faz questão de descrever para mostrar seu poderio financeiro em relação a ela.
A primeira parte faz alusão a uma menina esperta, capaz de resolver problemas que, aos olhos de Bento, pareciam sem resolução, consegue enganar a todos e se sair de qualquer situação. Tais assertivas são confirmadas pelo fato de Capitu ter aproximado de D. Glória, cuidado em suas enfermidades e fizesse com que ela mudasse de opinião acerca de um futuro casamento com Bentinho.
Mais a frente, nota-se que o narrador fala de Capitu com u ar de inveja: “...mais mulher do eu era homem” (MACHADO, 1998, p.152), descreve a curiosidade fora do comum que a mesma tinha, e faz questão de repetir o termo “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”.
Os leitores mais atentos perceberão que El não só deprecia a imagem de Capitu como da mãe da mesma: “(...) e sorriu por dissimulação( ...)” (MACHADO, 1998, p.58), referindo-se ao fato de a mãe de Capitu ter fingido não ver o beijo dos dois. Um jogo do narrador para fazer com que o leitor caia na armadilha de pensar que a dissimulação fosse passada de mãe para filha. Ele vai lançando ao longo da narrativa este tipo de pistas, para que, quando o leitor chegar ao fim da leitura, já tenha condenado Capitu, bem como toda sua família. Ao falar isto o narrador dá a entender que a família de Capitu, por ser pobre, tinha interesses que ela se casasse com alguém rico -neste caso ele-, para isto fingiam não ver qualquer “ato suspeito” da filha.
No capítulo sessenta e seis a dissimulação de Capitu vem à tona. Ele admira-se por que ela engana a todos que está feliz pela ida de Bento ao Seminário. Toda esta descrição pode ser falsa, pois não dá para confiar em um narrador que confessa tudo que importar à sua história (MACHADO, 1998, p. 102). Seus ciúmes também podem ser infundados, pois desde adolescente ele desconfiava dos meninos da rua e sentia vontade de matar Capitu por qualquer motivo: “A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las bem, até ver sair a vida com o sangue”. (MACHADO, 1998, p.109). Pensamento muito agressivo para um menino que se mostra como vítima ao longo da narração.
A construção da personagem na segunda parte da obra
Na segunda parte, Capitu passa de mulher decisiva a submissa. É aqui que ela torna-se objeto de Bento, garoto mimado, sagaz e rico. Na primeira parte da obra ela não aceitava a posição que a sociedade da época colocava a mulher no âmbito profissional. No entanto, não temos indícios que após seu casamento ela tenha tido algum profissão. Segundo Ingrid Stein:
...as informações que ele enumera sobre a personalidade, o caráter da esposa são truncadas e contraditórias. Apresentada como pessoa ativa, empenhada em defender seus interesses, astuciosa, e mostrada em cenas na infância e juventude que realmente comprovam, vemo-la depois do casamento mais como esposa meiga, carinhosa e cordata. (Figuras Femininas em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984).
Capitu era aqui o objeto tão desejado por Bento Santiago. Ele mesmo afirma que não tinha prazer em sair com ela por que amava-a, mas em mostrá-la, como posse, a toda a sociedade: “Inventava passeios para que me vissem, me confirmassem e me invejassem”. (MACHADO, 1998, p. 138).
Por fim ele dá um jeito de livrar-se de Capitu, mandando-a para outro país, humilhando-a, obrigando-a a viver longe da pessoa que tanto amou-o e que ao fim da vida, por causa de um ciúme infundado, matou aos poucos a mulher que um dia ele tanto “fingiu amar”.
Considerações finais
Capitu, que por tantos anos foi uma mulher decidida, acaba por ser julgada e condenada, já que Bento era advogado, por um crime que talvez não tenha cometido. Acaba só em outro país implorando pela visita do marido, mas este não atendera.
Tantas têm sido as interpretações sobre esta personagem: “Não espanta, portanto, que a personagem pareça o que há de mais vivo no romance; e que a leitura dependa basicamente da aceitação da verdade da personagem por parte do leitor” (ROSENFELD org., A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2002). Assim, Capitu atravessará as gerações como uma das personagens mais enigmáticas de todos os tempos.
Referencias bibliográficas
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1998.
ROSENFELD, Anatol (org.). A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2002.
STEIN, Ingrid. Figuras Femininas em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
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