quinta-feira, 13 de novembro de 2008

LÚCIA: ANJO OU MULHER FATAL

Andréa
Cristina
Francinilda
Maria Elioneide
Railma

Resumo

Neste artigo enfocaremos as faces da mulher prostituta de José de Alencar, dando maior ênfase ao tratamento dado por ele à prostituta do século XIX, cujo perfil se distancia dos padrões de conduta e valores da sociedade brasileira. Através da personagem Lúcia, Alencar representa as contradições existentes entre essa personagem e os princípios que regiam o período em que viveu.

Palavras- chaves: Romance; prostituição; José de Alencar.

ABSTRACT

This article enfocaremos the faces of women to prostitute José de Alencar, giving In greater emphasis to the treatment given him by the prostitute of the nineteenth century, where whose profile is far standards of conduct and values of Brazilian society. Through the character Lucia, Alencar represents the contradictions between the character and principles that govern the period in which they lived.


A prostituição é um assunto que é polemizado desde o início do mundo. A venda do amor, ou melhor, do sexo é ainda hoje alvo de preconceitos, pois além da mulher ser marginalizada pela classe machista ainda se desvia socialmente da ordem vigente, pois o convencional é o sexo por amor e não por dinheiro.

O movimento romântico acarretou extremas transformações, principalmente no plano social. No século XIX, a literatura romântica deu maior destaque aos aspectos da realidade. Foi, nesse espaço, que José de Alencar procurou acentuar o papel social da prostituta, em pleno século XIX. Segundo Alencar, (1988, p.25):


Lúcia é a representação da prostituta que assume e tem consciência dos preconceitos sociais que se mantinha envolvida, como podemos observar no seguinte fragmento: “Que importa? Contanto que tenha gozado de minha mocidade! De que serve a velhice às mulheres como eu?”.


Costumamos ouvir, e dizer, que a prostituição é a profissão mais antiga da humanidade. No entanto, a prostituição é um fenômeno essencialmente urbano, e se apresenta como uma alternativa momentânea à quebra da disciplina, principalmente em relacionamentos que preservam esse caráter machista do poder e do sexo. Segundo Gavramic (2008):


A prostituição é o território do prazer ilegítimo na vida cotidiana, onde muitos podem revelar suas fantasias e suas identidades sexuais mesmo que temporariamente desestruturadas sem que corram o risco de terem suas identidades sociais comprometidos retornando íntegros ao lar, a família, e ao trabalho.


Lucíola é um romance urbano que tematiza a prostituição como resultante de fatores familiares e sociais. Embora se classifique como um romance romântico, nele há manifestação do estilo realista, pois nele Alencar denuncia a discriminação que a sociedade mantém em relação às mulheres que se entregaram à prostituição.

O perfil de mulher tipicamente alencariana se contrapõe entre o amor puro e virginal idealizado pelo estilo romântico e a devassidão e libertinagem do modelo realista. Logo no início da obra, Alencar caracteriza Lúcia como símbolo da mulher guerreira, decidida, uma prostituta que usufruía de todo luxo e requinte na sociedade carioca, que vivia suas noites mergulhadas em orgias. Margareth Rago (1991, p.37) diz que “A prostituta foi recoberta com múltiplas imagens, que lhe atribuíram características de independência, liberdade e poder”, como se vê na obra em estudo: Alencar (1988, p.42):


Lúcia ergueu a cabeça com orgulho satânico, levantando-se de um salto, agarrou uma garrafa de champanha, quase cheia. Quando a pousou a mesa, todo o vinho tinha lhe passado pelos lados, onde a espuma fervilhava ainda. [...] Lúcia saltava-se sobre a mesa. Arrancando uma palma de um dos jarros de flores, traçou-a nos cabelos, coroando-se de verbena como as virgens gregas. Depois agitando as longas tranças negras, que enroscaram quais serpes vivas retraiu os rins num requebro sensual.


Por se tratar de uma obra romântica, Alencar vê a prostituição de Lucíola como um meio para que se chegue a uma regeneração. Como se Lúcia fosse o objeto social do prazer e seu amor por Paulo fosse o seu objeto de purificação. Jose de Alencar quer mostrar em sua obra que todas as Lucíolas merecem ser felizes e que, portanto não são diferentes das outras mulheres da sociedade. Critica a forma preconceituosa da sociedade e ao mesmo tempo coloca a prostitua em um patamar de igualdade as demais mulheres.

No romance, a personagem Lúcia tem dupla personalidade, ora se simboliza pela pureza, ora pela devassidão. A personagem tem personalidade complexa, ela é o resultado da teoria de Rousseau: “O homem nasce bom e a sociedade o corrompe”.

De acordo com PERREIRA (1976, p.1) o homem, na busca por felicidade no caminho do erotismo genital lançou-se à competição da máxima agressividade, atribuindo à mulher a condição de presa. Assim, desde que o homem criou o dinheiro, criou também a prostituta. “A mulher ingressou na categoria de mercadoria encontrada no mercado e ‘‘as prostituta seriam então a resultante da ausência do amor e da presença do dinheiro”.

Já no final da obra, Alencar apresenta Lúcia como frágil, incapaz de superar os obstáculos que a vida apresenta. Abandona a vida de luxúria e de devassidão e opta por uma vida simples, posição que uma verdadeira personagem romântica deve ter. Conforme Alencar (1988, p.110):


Lucia escondeu o rosto dos meus joelhos e emudeceu. Quando levantou a fronte, implorava com as mãos juntas o olhar súplice. O quê? O perdão de minha primeira falta? Não sei. Faltaram-me as palavras para consolar dor tão profunda: beijei Lucia na face.


Ainda, segundo Rago (1991), não foi tranqüila a relação da sociedade com a profissionalização dos ofícios e com a instituição de relações assalariadas de trabalho, ou seja, foi muito complexa a relação com a separação entre o amor desinteressado e o prazer sexual, principalmente para as mulheres. “A atração pela prostituta, que detonava modernidade, significava a total empatia do homem com o universo alucinante das mercadorias” (p. 41).

Alencar desenvolveu, na maioria dos seus romances, a idéia da mulher vista como luz que sempre desaparecia como por encanto. Ou seja, brilhava quando mocinha, e sumia quando casava. Normalmente essas mocinhas tinham entre 14 e 18 anos, mas encontramos Lúcia, que foge à regra, pois tinha vinte e um anos, mas era uma prostituta.

Lúcia foi transformada por José de Alencar em uma prostituta incomum, pois teve o direito de amar. E foi admirada por Paulo desde o primeiro instante que ele a vira. Segundo Alencar (1988, p.14):


A lua vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância.


Mas, vale ressaltar que Paulo não manteve suas idéias sobre Lúcia, pois nitidamente se vê a vergonha que sentiu quando Sá fez um comentário, como pode ser comprovado no trecho abaixo. Conforme Alencar (1988, p.15):


Compreendi e corei de minha simplicidade provinciana, que confundira a máscara hipócrita do vício com o modesto recato da inocência. Só então notei que aquela moça estava só, e que a ausência do pai, de um marido ou de um irmão, devia-me ter feito suspeitar a verdade.


Desejo e prazer eram despertados nos homens, pela prostituta, instinto os quais não se misturavam aos sentimentos. Considera-se, assim que o sentimento de Paulo, despertado por Lúcia, fugia a esse estereótipo, pois aparecia como frágil diante de Lúcia e dividido pelos pensamentos convencionais que o assolavam: Segundo Alencar (1988, p.19):



No Brasil não há, segundo Pereira (1976) uma autêntica discriminação contra a prostituição, como não há contra o negro. Então, na realidade, ela não se sente isolada socialmente. Pode viver uma vida familiar e social, bem aproximada da normal, desde que se libere da carga criminógena que conduz consigo, em face de suas intimas relações com o meio marginal, que a parasita ou escraviza. Não seria fácil descarregar essa carga negativa em uma mulher fraca e quase sempre ignorante.

Quanto a Lúcia, esta sempre teve consciência da vida que levava, pois todas as suas fases eram lembradas e guardadas com verdade: a pureza da infância; o sacrifício da honra à saúde do pai; a brutalidade fria com que é violada condiciona toda sua vida. A lembrança de uma inocência perdida é não apenas possibilidade permanente duma pureza futura, mas a própria razão de sua repugnância à prostituta.

A devassidão como domava os amantes se contrapunha à pureza de sentimentos que por vezes assolavam seu coração, arrebatado por paixões, por vezes impossíveis, o que era totalmente contrário às leis da prostituição. Por outras palavras, a sua sensualidade desenfreada nos parece como meio de sofrimento para abrandar a culpa, renovando incessantemente as oportunidades de auto punição.

Assim, por sua pureza de alma e de sentimento, se transforma em uma mulher angelical, mas por sua beleza e sedução é marcada por uma vida de luxúria e devassidão. Em meio a tanta contraposição, Alencar vê na sua morte a sua redenção e única forma de se libertar de uma sociedade tão injusta.



Referencias bibliográficas


ALENCAR , José. Lucíola.São Paulo: Ática, 1988.

GAVRANIC, Arlete Mª Girello Tavares. Prostituição. INSTITUTO ISEXP: Instituto Brasileiro Interdisciplinar de sexologia e medicina Psicossomática..In:http:// www.isexp.com.br Acesso em out/2008.

PEREIRA, Armando. Prostituição: uma visão global. 2ed. Rio de Janeiro: Pallas, 1976. .

RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.


Nenhum comentário: